Nunca mais

E o meu contentamento
Que eu cuidava que era meu,
Deu-ma depois tal tormento
Qual coisa nunca me deu.

CRISFAL

I

Não, não creio nos teus olhos:
– Se eu já sei o que eles mentem!
Se conheço à minha custa
Que o que dizem não sentem!
Oh! quem me dera ignorá-lo
Para ser feliz ainda...
Era feliz com mentira:
Mas se a mentira é tão linda!
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II

Uma vez – há quanto tempo!
Seis lentos giros no céu
A lua inteiros volveu,
E aquele instante divino
Na memória de confino,
Inda me não esqueceu!
– Uma vez, teu braço trêmulo
No meu braço repousava.
De tua boca celeste,
Anjo do céu que então eras!
Aquela voz desprendeste
Que sumida e vacilante
Aceitou meu voto amante...

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– Mal o lábio a proferiu,
Mal o ouvido a sentiu:
Mas ouviu-a o coração...
– Não, que a ventura não mata,
Por isso ali não morri:
Mas foi pior do que a morte,
Mais fatal... – endoideci.

II

Lembra-te? Foi longa a noite...
Loriga aos outros pareceu:
A mim voou-me entre glórias,
Como os instantes do céu.
Lembra-te? – O resto da noite,
Desses olhos eloquentes
Que expressões tão veementes
Saíram de amor, de fé!
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Vivi um século inteiro
Nessa noite de ventura,
Vivi na ilusão, no engano;
Mas erro tão lisonjeiro
Oh, porque ainda não dura!
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IV

Da cor da aurora que nasce.
Entre roxo e cor-de-rosa,
Vestida essa forma airosa
Inda a vejo que balança
Nos vagos giros da dança
Que ante mim se confundia!
E eu desvairado, eu sem tino,
Eu que a ti–a ti só via...
Hoje ainda, ainda agora
Vejo em teu rosto divino
Aquele brilhar de aurora
Que tanto me prometia...
Oh! mas a aurora mentiu
Que veio importuno dia
E de nuvens se cobriu.
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V

Sei que as aparências culpadas
Estiveram contra mim...
Mas julgar, punir assim
E sem ouvir...
....................................
Oh! como eu então vivi
Como de ânsia e de amargura
Nesses dias não morri!
Foram séculos pesados,
Longos, lentos, – e contados
Hora a hora de tortura.

VI

Via-te, e nem ver-te ousava:
Num tremor, num paroxismo,
De tua vista recuava
Como se fosse do abismo.
Fugia de ti: – mesquinho!
Com te não ver me matava...
Triste de mim! e era morte
Mais cruel se te encontrava,
Teus olhos, aqueles olhos
Onde bebi tanto amor,
Teus olhos, fugia deles,
Cobrei-lhes medo e terror.
E se os traidores, um dia,
Por cruel divertimento,
Renovando o engano antigo,
Me dessem novo tormento?...
Com a só ideia do perigo
Todo eu estremecia,
E do horrível pensamento
Como um cobarde tremia.
Jurei, protestei mil juras...
– Para insensato as quebrar!
Bastou-lhe querê-lo um dia,
E eu próprio – fui-me entregar.
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VII

Espessa treva fazia
Naquela solene estância,
E em pausada consonância
A voz da oração se ouvia.
Interno pressentimento
No coração me batia...
Mas era o fatal momento,
– Fatal, funesto, fadado...
E ninguém foge ao seu fado,
Não fugi, fiquei, – perdi-me.
E sem combater – rendi-me...
Com um só de teus sorrisos
– Daqueles que dás a mil!–
Em meu peito árido, morto
Mais esperanças nasceram
Do que flores tem Abril:
Tristes flores, que vieram
Sem abrigo nem conforto,
E açoitadas dos granizos,
Dos vários ventos, morreram!

VIII

Que novos sonhos sonhei
De amor, de felicidade!
Com que feia crueldade
Teus lindos olhos fingiam
Tão expressivos diziam.
Cruéis!... o que não sentiam!

IX

Ah! quebrou-se enfim o encanto,
Já me não torno a iludir
Foi sonho de que acordei
E que não volvo a dormir:
Que desta vez entrou n alma
Sossegado o Desengano,
E, por um, com o dedo experto
Os golpes do coração
Andou sondando sem dó:
Há de curar-se, ele diz,
Fica leso – e porque não?
De que me serve ele agora?
Para amar-te o tinha eu só,
Só para te dar o quis...

X

Vai... de quanto coração
Em peito de homem batia
O mais valente quebraste,
Pois com tanto amor podia,
Todo o amor que lhe inspiraste.
Vai... como este coração
Não fez outro a natureza,
Formou-o com a mesma mão
Com que faz tua beleza:
Únicos ambos! – Já agora
Brilharás entre os mortais,
Reinarás, serás senhora,
Serás admirada – Embora!
Mas amada... nunca mais.