Nova Heloísa

I

Junto à ribeira do Tejo
Há um vale escuso e quieto,
Que escolheu nova Heloísa
Para novo Paracleto,
Ali um doce bafejo
De perfumes tem a brisa;
E num longo, longo beijo
Flora e Zéfiro esquecidos,
Ali se ficam detidos
Em dobrada primavera;
Ali não murcham as flores...
Se hão de então murchar amores!

II

Onde a relva é mais mimosa
E a verdura mais viçosa.
De alto cume despenhado
Cai um lençol de água pura
Nas brancas orlas franjado
Do mais reluzente alvura.
Em torno da penedia
Cresce o jasmim, vive a rosa;
E a hera crespa e luzidia,
A madressilva cheirosa
Não deixam chegar do dia
Aquela estância sombria,
Senão já meio perdidos,
Os raios amortecidos...
Luz querida dos amores
Que ali vivem sós com as flores!

III

O nome daquele vale
E mistério... não o sei:
Mandado me foi que o cale...
O seu nome calarei.
Também querem que o esqueça...
Esquecê-lo é que eu não sei.
Quis a sorte – e se era avessa,
Se propicia, não direi –
Que um dia ali descuidado
Por acaso eu fosse ter,
E um labirinto encantado:
Quem lá for, se há de perder...
Que andam ali os amores
Escondidos entre as flores.

IV

Entre as flores – tantas eram!
Vi uma, duas... vi mais...
Que não sei nem qual nem quais
O coração me prenderam.
Sei bem certo que o levava
Aqui no peito, ao entrar:
Aos baques que me ele dava
Milagre foi não quebrar!
Antes quebrasse... perdi-o:
Lá me anda come um vadio,
Doido, doido, entre essas flores,
O louco! a sonhar de amores...

V

Lindo vale escuso e quieto
Que banhas os pés no Tejo.
E floresces ao bafejo
Da suave aura do amor,
Tu serás o Paracleto
Adendo se acoite a dor
De nova, terna Heloísa,
Tuas águas a correr.
A suspirar a tua brisa,
Os teus bosques a gemer,
Vós todos lhe heis de dizer
Que ali no seio das flores
Não é que esquecera amores.

VI

Se cem lágrimas salgadas
Elas as tuas flores regar,
Tu bem sabes, valo umbroso.
Que tas não pode queimar.
Tristes rosas desbotadas
Bem poderá desfolhar...
E a tez ao jasmim cheiroso
Com os suspiros crestar...
Mas, por cada flor de amor
Que assim matar sem piedade,
Verá crescer-lhe ao redor
Mais dobrada a – saudade.
Que a mate... não mata, não;
Que a queime... torna a florir:
Vegeta em toda a estação,
Sol e chuva a faz abrir.
Oh, mal vai viver com as flores
Quem se quer deixar de amores!

VII

Mas vá a bela Heloísa,
Vá para e seu Paracleto
E que tome por divisa
Triunfar de um doce afeto...
Vá com esse credo vão
Que a condena à solidão...
Vá com sua fortaleza
Desafiar a natureza
A duelo singular...
Vá... que pode batalhar,
Pode, vá... mas vencer, não:
Que no melhor da peleja
Quando o contrário fraqueja.
É que cede o coração...
Verá então ente as flores
Como riem os amores!