O Alcíone no cabo

Isto sim que é estar só.
Canta, e com a ponta de asa preguiçosa
Varro a onda serena!
Como o inocente que no berço embalam
Com branda cantilena,
Canta, suave Alcíone, o molemente
Voga ao som d''água amena!

Por mim, já da viagem chego ao termo.
Mais uma dor talvez...
E o túmulo depois: ninguém me cuite!
Descansarei de vez.
Antes quero dormir no ponto agora,
Que ir dar noutro revés.

Tu canta, e varre doa asa preguiçosa
Essa onda serena!
Como o inocente que no berço embalam
Com branda cantilena,
Canta, suave Alcíone, e molemente
Voga ao som d''água amena.

Feliz és tu, que nem os teus deixaste,
Nem vais triste e sozinho,
Das ondas tempestuosas arrojado
A ignorado caminho:
Contigo a pátria, aonde vais, a levas
Boiando no teu ninho.

Longe, ai! tão longe, eu tenho o lar que choro:
Quanto à vida me liga
Tão longe me ficou... Oh! ser-me-á dado
Que ou ainda consiga
O vem um doce olhar, o ouvir ainda
Um som de voz amiga?

Nobre filha do céu, doce amizade,
Tua chama não consente,
Tua chama só, que ao gelo do sepulcro
A vida se arrefente...
E eu hei de assim viver, morrem, sumir-me
Com este facho ardente
A queimar-me alma – e eu a apagá-lo à força,
Não me revele a mente!

Quê! só, neste areal deserto e mudo,
Só, essa penedia!
Ar que se não respira, um céu pesado.
E esta má luz de dia...
Uma luz alvacenta que me cega
Mais que a noite sombria!

Oh! se encontrasse ao menos nessa praia
Um eco a minha voz!...
Se uma flor murcha, uma árvore sem folhas
Eu vira aí tão sós!...
E trêmula no céu, vira uma estrela
Entre o negrume atroz!...

A esse eco gemedor, à flor mortiça,
Oh, como lhe eu quisera!
A estrela que desmaia, ao tronco seco
Oh, como lhe eu dissera:
Piedade, simpatia para uma alma
Que a mágoa dilacera!

Piedade sim, porque eu padeço muito:
Um peso que o matou,
Me oprimo o coração: e já pressinto,
Na agonia em que estou,
Sudário alvo de areia ir-me cobrindo
A frente que gelou.
Eu dizia, e tu vinhas rente d''água,
Ao som dos ais sentidos,
Roçando-a com as penas azuladas.
Aos tristes sons carpidos
Teu canto respondeu, como o alaúde
Que vibra estes gemidos.

Volta, responde ainda aos meus lamentos,
Que em ver-te a alma descansa!
O teu canto de amor nos meus ouvidos
É um hino de esperança.
E a tua cor brilhante a cor do céu
Quando ri na bonança.

Canta, e com a ponta de asa preguiçosa
Varre a onda serena!
Como o inocente que no berço embalam
Com branda cantilena,
Canta, suave Alcíone, e molemente
Voga ao som d''água amena!