Hino à Poesia

Praesidium et dulce decus meum.
Horatio

Oh meu amparo, oh doce glória minha,
Tu com quem me achei sempre,
Na desgraça, na mágoa e nos pesares
Para me consolar;
Que me dás voz, suspiros, desafogo
Quando a ventura é tanta
Que pesa na alma – e o coração é cheio
A estalar se não fala!
Como te invocarei, que santo nome,
Filha do céu divina,
Te hei de eu dar, o Poesia, encanto, afago
Da minha juventude?
Nunca te chamo, que benigna, amável
Não desças do céu puro
A mãos-cheias trazendo as magas flores
Que te viçam eternas
Nesses jardins de glória e formosura.
Vens – mas tão vária sempre!
E ora te vejo, no êxtase sublime,
Ninfa ligeira e bela,
Como as despidas graças, nua, ingênua,
De azuis, rasgados olhos
Que ou já cintilam, vivos, do desejo
As ardentes faíscas,
Ou serenos com a posse, em gozo lânguido
Meigos, tranquilos brilham...
Ora, caídas pelos ombros níveos
As longas, longas tranças
Te vão flutuando soltas... Nas coreias
Que em dança alegre travas
Com os alados hinos que te cercam,
E ao som da arguta lira,
Formas, sem arte, desvairados passos,
Ou já rasteiros, lentos,
Ou tão altos que zéfiro te espalha
As raras, leves roupas.
Já, acordando em modo altivo e nobre
A cítara canora,
Dos deuses, dos heróis ergues louvores
Aos sublimados astros;
Já maviosa, em canto mais singelo,
Os dons da natureza,
Os tranquilos prazeres da virtude,
Os mimos da inocência
E os serenos gozos da amizade
Suavemente entoas.
Já, no êxtase de amor, no rapto ardido
De amante entusiasmo,
Sopras a chama que a beleza ateia,
E avivas as delícias
Que o deus dos corações infundiu na alma
De um par que ele juntara...
Como tímida então pedes, suplica;
E com lânguido acento
Tênue favor imploras suspirando!
Mas logo ousada... roubas
De entre o virgíneo, recatado seio
Acre beijo que há pouco
Mal inda ousavas suplicar modesta
Para o colher dos lábios!
Toda és júbilo então. – Mas quantas vezes
Os olhos enturvados,
Pálida a frente, desgrenhada, em pranto,
Ansiando de amargura,
Ais de angústia e de morte soluçando,
Gemes com a lira e choras!
Negras suspeitas, áridos ciúmes,
Desleais inconstâncias
Te andam de em torno esvoaçando em uivos.
E não és menos bela,
Menos gentil então! Das faces pálidas
As lágrimas, a fio,
A fio deslizando, caem, batem
A espaços compassados
Na cava lira – e uns ais sumidos, mortos,
De harmonia divina,
Vêm traspassar o coração de mágoa...
Mágoa!... prazer dos céus.