Os dois papagaios, el-rei e seu filho
Dois loiros, pai e filho, dos assados
De Sua Majestade
Faziam seu repasto. Um pai e um filho,
Terrestres semideuses,
Aos dois pássaros tinham por validos.
A idade atava entre eles
Amizade sincera; amavam-se ambos
Os dois pais, e os dois filhos;
E, em despeito do frívolo carácter,
Uns e outros congraçavam-se,
Juntos na criação, juntos na escola.
E que honras para os loiros!
Que era monarca o pai, e o filho príncipe.
Pela índole, que a Parca
Lhes deu, amavam aves. Quinhão tinha
Nas delícias, do príncipe
Um pardal, mui galã, e o mais amante
De toda essa comarca. –
Um dia, que esses dois rivais brincavam,
Como entre crianças se usa,
Passou o jogo a bulha; pouco atento
Fez o pardal colheita
De certas picadelas, que o deixaram
De asa caída e exânime.
Julgaram-no sem cura. Irado o príncipe
Deu morte ao papagaio.
Chega o boato a el-rei. O infeliz velho
Grita e se desespera,
Em vão. Supérfluos gritos! – Já na barca
O bem falante pássaro
De viagem vai. E por melhor dizer-vos,
Da ave, que é morta e muda,
Cobra o pai tal furor, que vai-se ao filho
De el-rei, cava-lhe os olhos,
E põe-se em salvo. Toma por asilo
O cimo dum pinheiro.
Lá, no seio dos numes, quedo e forro,
Saboreia a vingança.
Corre el-rei em pessoa a acareá-lo:
«Torna a palácio, amigo.
Que val’ chorar? Ponhamo-los à porta
O ódio, a vingança, os nojos.
Forçoso é que eu declare (bem que seja
A minha dor bem agra)
Que o agravo de nós vem; que foi meu filho
O agressor. Ruins fados
(Que não meu filho) os criminosos foram.
A Parca tinha escrito,
Em seu livro (eras há) que um filho nosso
Cegasse, e outro morresse.
Consolemo-nos ambos; torna a casa.
– Cuidas, senhor Monarca,
Que, após ultraje tal, em ti me eu fie?
Vens-me alegar c’os fados!
E nessa fé pretendes que eu ao logro,
C’o engodo dessa lábia,
Me entregue? Sejam Fados, Providência
Quem rege do orbe a andança;
No céu ‘stá’scrito que eu no cocuruto
Deste pinheiro, ou cima
Dalgum bosque, findarei meus dias,
Longe do aziago assunto
Que te dê justa causa a fúrias e ódios.
Filinto Elísio