Simónides protegido pelos deuses
A Simónides, que fora
Facundo argivo poeta,
Procurou um dia em casa
Um novo enfunado atleta.
Havia em dúbio certame
Vencido o seu contendor,
E em áureos versos queria
Ver cantado o vencedor.
Ajustou dar um talento
De prémio ao sublime vate,
Pedindo que erguesse às nuvens
Aquele egrégio combate.
O sábio empenhou no encómio
Toda a força da eloquência;
Hipotiposes mostravam
Ao vivo a nobre pendência.
Mais que dizer não havia;
Porque o destro aventureiro
Era de família obscura,
E este o certame primeiro.
Com as flores da eloquência
Ornou o grato elogio,
Símiles e paralelos
Serviram de áureo atavio.
Aos gémeos Castor e Pólux
O seu herói comparava,
E as nobres acções daqueles
Amplamente numerava.
De sorte que uns bons dois terços
Do poema que tecia,
Em digressões agradáveis
Aos dois gémeos pertencia.
Findo e copiado o encómio,
A casa o levou do atleta,
Que depois de o ler três vezes,
Disse ao facundo poeta:
«Meu louvor neste poema
Só ocupa a terça parte;
Portanto, do que ajustámos
Só devo o terço pagar-te.
Os dois gémeos, a quem tanto
Teus nobres versos exaltam,
Que te paguem do talento
Os dois terços que te faltam.
Entanto, para mostrar-te
Que não fico mal contigo,
Quero esta noite que venhas
Sem falta cear comigo.»
O convite lhe aceitou
De Apolo o filho sisudo,
Julgando que era melhor
Perder pouco do que tudo.
Parentes, muitos amigos
Dos que usam comer de mofa
A lauta mesa cercavam;
Tudo era festa e galhofa.
Saúdes a uns e a outros,
Saúdes ao novo atleta,
E só lá de quando em quando
Levava alguma o poeta.
Sentiu-se em tanta algazarra
Que muito à porta batiam;
Abrindo-a, viram dois jovens
Que ao vate falar queriam.
Ele, erguendo-se da mesa
Antes da ceia dar fim,
Viu à porta dois mancebos
Que lhe falaram assim:
«Nós de Leda os filhos somos,
Astros no globo celeste,
Que hoje agradecer-te vimos
Os incensos que nos deste.
Também salvar-te queremos
Dum iminente perigo;
Foge, que vai neste prédio
Cair dos céus o castigo.»
Saiu prontamente o sábio;
E a companhia indiscreta
Com saúdes aplaudia
Quanto ao vate fez o atleta.
Eis de improviso estalando
As colunas do edifício;
Sofreram todos o estrago
Dum funesto precipício.
Dos céus a Poesia é prole;
Ela aos céus tece o louvor;
Aquele que a menoscaba
Ofende o seu criador.
Curvo Semedo