O passarinheiro, o açor e a cotovia
A injustiça, o rigor desculpam-se em geral
Citando como exemplo a quantos fazem mal,
Ninguém deve esquecer a regra tão cediça:
«Respeite sempre os mais quem atenções cobiça.»
Certo dia um campónio armava aos passarinhos –
Vem despontando Abril, estão já sós os ninhos,
A grande Natureza há muito que não dorme,
O campo todo em flor ostenta um luxo enorme,
Imprime vibrações no ambiente perfumado,
O constante esvoaçar do inquieto mundo alado –
E o homem de atalaia...
De repente sorri dizendo: – «Talvez caia!»
– Cair o quê? Não sei – objecta-me o leitor.
Era uma cotovia. A tola, a sensabor
Dispunha-se a trocar a boa liberdade
Pela rede traiçoeira, e até, que ingenuidade!
Vinha cantando alegre a procurar a morte:
Ou se é, ou não se é forte.
Neste ponto um açor, que andava pelos ares,
Faminto, peneirando em voltas circulares,
Avista a pobrezinha e rápido qual seta
Silvando fende o espaço em breve linha recta,
Cai sobre a cotovia, empolga-a rudemente,
Aperta-a, despedaça-a em fúria recrescente.
Que bárbaro glutão!
Viu tudo o caçador e resolveu-se então
A puxar o cordel da pérfida armadilha,
Que ao distraído açor enreda, envolve e pilha.
Colhido de improviso o bicho quer soltar-se,
Mas logo dissuadido, usando de disfarce,
Murmura em voz mui doce:
«Meu caro caçador, sem dúvida enganou-se,
Podia lá prender-me! Eu nunca lhe fiz mal!...»
Replica-lhe o campónio: «E o pobre do animal
Que aí tens, fez-te algum? Não me responderás?»
O açor quis responder, porém não foi capaz.
Maximiliano de Azevedo.