Os dois ratos, o raposo e o ovo
Dois ratos, indo buscar vida, acharam
Um ovo, que jantar daria farto
A gente dessa laia.
Que de acertar c’um boi não necessita.
De apetite e folgança mais que cheios,
Cada um já se dispunha
A ter no ovo quinhão. Mas, eis que avistam
Um fuão, que se diz Misser Raposo.
Aziaga aventura!
Salvar o ovo era o ponto, enfardelá-lo,
Ir, c’os dianteiros pés levando-o a pino,
Rodá-lo, ou já arrastá-lo,
Sobre arriscado, era África impossível.
Necessidade é astuta, é inventiva.
Mede a distância à toca,
Mede a distância ao sôfrego raposo,
Obra de mais de légua. Eis que um se abraça
C’o ovo, e se pôe de costas,
Tombos sofre, sofre ásperos caminhos,
Enquanto o outro o reboca pelo rabo.
Meditem neste conto,
E não venham clamar que é nulo o juízo
Nos animais; quando eu, se em mim coubesse,
Lho dera igual à infância.
Filinto Elísio