I
Cahiram com a folha os meus prazeres;
E as musas, caro Gomes,'''' que, outro tempo,
Torrentes d''''estro me esparziam n''''alma,
Até as mesmas musas
Sem dó, sem compaixão desampararam

• O Dr. Francisco Gomes da Silva, meu companheiro
e amigo da Universidade.
VQL. II.

O froixo amante inválido.
Embalde as chamo, e as desmontadas cordas
Da saudosa
Lhes peço aomenos que siquer me aflinem.
São bellas, como bellas, caprichosas:
Não me admirou que fujam.

Porém, amigo, no celeste coro,
Como por ca na terra,
De milagre inda ás vezes se depara
Com alma bemfazeja.
Das nove irmans gentis a mais gaiata,
Garrida e brincalhona .
A galhofeira, magica Thalia,
Rindo-se ás gargalhadas
Da lamuria que fiz por ver fugi-las:
-''''Deixa,'''' me disse ''''és louco;
Deixa, que ellas virão sem que as tu chames:
E costume do sexo,
Assim fazemos todas.
E que lhes queres tu? que incantos achas
Na macillenta, pallida Melpomene,
Que, desde que houve cm Grécia um tal
Até o dia d''''hoje,

Sempre
Nos sécca, nos injoa
E nos quebra os ouvidos com gemidos?..
Sempre se anda a mattar e nunca morre!
As outras-na verdade,
Aqui muito em segredo,
Estas minhas irmans... Não é má língua,
Não é geito da saia... mas decerto
Não sei esses poetas
Porque tanto as incensam, tanto as buscam.
Olha: o velho Philinto,
Que tu, e os teus patricios-boa gente!-
Tanto gabaram, applaudiram tanto,
Sem lhe mattar a fome,
Postoque a todas nós galanteava,
Comtudo a do seu peito
Foi a mana Polvmnia.
Nunca vi um namoro mais rançoso:
Fizeram dúzias de odes... dúzias!—centos.
Tantas e tantas foram,
Que emfim o mano Apollo Ja de odes infastiado,
Assim que o pobre velho deu á casca.
Protestou, e protesta
Não dar a mais ninguém o oflicio vago
De Lyrico da casa.
''''Calíope, essa tolla impavezada,
Que Homero, e o teu Camões, Virgilio e T
Tam mal acostumaram,
Sempre de bico doce,
Torce o nariz a tudo
E diz que a ninguém mais quer dar cavaco
E até, se não soubesse
Que um tal poeta lá da tua terra
Que faz Orientes e baptiza Gamas,
E a quem nós todas temos mortal osga.
Fora frade também... que ia ser freira.
As mais é tudo o mesmo,
São todas desdenhosas:
Além d''''isso têem lá os seus namoros,
E não querem largá-los.
''''Eu ca não sou assim... Porôm não penses,
Por me ver rir com todos,
Que a todos quero, que namoro a todos.
Ingana-se commigo muita gente,
Tenho inganado a muitos
II
Sempre lagrymijando
Nos sécca, nos injoa
E nos quebra os ouvidos com gemidos?..
Sempre se anda a mattar e nunca morre!
As outras-na verdade,
Aqui muito em segredo,
Estas minhas irmans... Não é má língua,
Não é geito da saia... mas decerto
Não sei esses poetas
Porque tanto as incensam, tanto as buscam.
Olha: o velho Philinto,
Que tu, e os teus patricios-boa gente!-
Tanto gabaram, applaudiram tanto,
Sem lhe mattar a fome,
Postoque a todas nós galanteava,
Comtudo a do seu peito
Foi a mana Polvmnia.
Nunca vi um namoro mais rançoso:
Fizeram dúzias de odes... dúzias!—centos.
Tantas e tantas foram,
Que emfim o mano Apollo
Ja de odes infastiado,
Assim que o pobre velho deu á casca.
Protestou, e protesta

FÁBULAS H CONTOS
Não dar a mais ninguém o oflicio vago
De Lyrico da casa.
''''Calíope, essa tolla impavezada,
Que Homero, e o teu Camões, Virgilio e T
Tam mal acostumaram,
Sempre de bico doce,
Torce o nariz a tudo
E diz que a ninguém mais quer dar cavaco
E até, se não soubesse
Que um tal poeta lá da tua terra
Que faz Orientes e baptiza Gamas,
E a quem nós todas temos mortal osga.
Fora frade também... que ia ser freira.
As mais é tudo o mesmo,
São todas desdenhosas:
Além d''''isso têem lá os seus namoros,
E não querem largá-los.
''''Eu ca não sou assim... Porôm não penses,
Por me ver rir com todos,
Que a todos quero, que namoro a todos.
Ingana-se commigo muita gente,
Tenho inganado a muitos

Que julgara conseguir os meus favores:
Cahem como uns patinhos
Nas peças que lhes armo.
Cuidou que me pilhava aqui ha tempos
Um tal cantor de burros,
Macaco encyclopedico
Que em tudo quer metter-se.
Preguei-lhe um logro... oh este foi machucho:
Vesti a minha moça da cozinha
Que vocês lá no mundo
Appcllidam Chalaça,
Que sempre anda mettida entre estudantes,
Marujos e arreeiros,
Vesti-a c''''uma roupa do meu uso
Ja rota e desbotada,
E mandei-lh''''a em meu nome ao tal poeta,
Que a pillula ingoliu,*
E muito satisfeito da conquista,
Por tal a deu aos parvos
Que as sujas trovas, que os immundos versos
Extasiados applaudem.
'''' Quando cu tinha os meus doze, e era donzclla...
_Que hoje, cre-me a verdade,

Vai ca no Olympo o que lá vai na lerra!
Namorei-rae de uni Grego: oh! bello amante
Chamava-se Aristophanes:
Dei-lhe, intreguei-lhe tudo
-Como o teu Camões disse O que deu para dar-se á natureza.
Um Phrygio corcovado,
Mas que tinha mil graças
Que a corcova das costas lhé incubriam,
Soube também vencer-me.
Com estes dois gosei prazer tam doce,
Tam deleitosas horas,
Que os monumentos d''''ellas
Inda lá pela terra os mimos fazem
De quantos sentem de meus dons o preço.
'''' Quando no Sena ovante,
Quando no Tejo e Tybre
Se ergueram nossos templos
Que a barbara ignorancia derrubára,
Ao cantor do Lutrin, ao da Pucelle,
Ao mago auctor do santarrão Tartufo,
Ao teu do bento Ilyssope,
E a esse galhofeiro Italiano

Que aos animaes deu falia,
Dei-lhe os favores, franqueei-lhe os mimos
Que a Ariosto, a Gil-Vicentc,
Que aos outros todos concedéra outrora.
Se o que elles foram sabes,
Quanto cu valho apprecia.
Eu não sou como as manas,
Itio de tudo, tudo rindo insino;
E nas coisas mais sérias
Acho, descubro o lado
Em que o sal do epigramma incaixa a geito.
Por mim da atroz aflronta,
Por mim da escravidão, por mim da inveja
O ingenho se despica,
E n um só trait d''''esprit, de eterno opprobrio,
C''''o sêllo do ridículo,
Marca indelevel na ignorancia imprime,
Na presumpção, no orgulho,
loma'''' e, dizendo, me intregou a lyra, \
''''Toma, c conhece quanto podem risos
Da magica Thalia.
Fere-a, e, se os sons mal destros
Desafinados, rudes te sahirem,
Começa n''''isso mesmo

A gosar minhas dadivas;
Ri-te d''''elles, de ti, ri-te da lyra,
E de mim se quizeres.''''
Tal me fallou a minha bella deusa
Que tantas gargalhadas,
Nos dias folgasões de nosso tempo,
Nos fez dar tantas vezes
Quando na voz roufenha
Do nosso mathematico Alvarenga."
Ás mãos cheias vertia
Pilhérias do Kai-Pira e Sgnareilo,"
Do impulhado Avarento.
Satisfeito da offerta, e mais que d elia,
Do longo e bom cavaco,
-Cavaco que jejuo ha tanto tempo!
Cavaco suspirado
Com que me acenam ja vésperas saneias
Do tardio feriado!—
Toquei, ou antes arranhei á toa
Os versos que te mando.
• Onlro amigo i!a UuiversHado.
** Fari;a» que represi>nlavam08 nu nofso Ikoat

lli-te se forem bons e se gostares,
Ri-le se forem maus e te injoarem,
Ri-te, ri-te, que o mundo
Não se pôde levar de outra maneira:
# Assim o insina a deusa.
Coimbra-1820