Sinopse
Senti sempre que a língua portugueza era para todo o genero de composições. E o rebellar-se ella em algumas pareceu-me que era mais inhabilidade de quem a conduzia do que defeito proprio seu. For honra d elia, mais que por vaidade minha, tentei comporem tam desvairados assumptos e generos como tenho feito.
Hoje estou crente e (irme convencido de que a tudo serve, a todo stylo se presta. Nem me persuadi mais d''isso por alguma coisa em que sahi bem de meus insaios, do que pelas muitas em que falhei. A singeleza de seu dizer, uma certa malícia popular e mordente de sua innocencia saloia faz o dialecto portuguez eminentemente proprio para o apologo e para o conto.
Está pouco trabalhado o genero entre nós em verso. Mas as fábulas dos animaes, contadas em prosa pelas gentes do campo, teem tanta graça de stylo como as de Esopo e de Pilpav; e as narrativas do Decameron popular em que sempre figura o frade, a mulher do çapateiro, o marido logrado, o amante umas vezes bem succedido em seus artifícios, outras colhido n''elles proprios e punido de sua audacia, não teem que invejar a Lafontaine ou ao licencioso italiano que fez as delicias de nossos gaiatos avós da renascença.
Quando, em bem criança, quiz também insaiar a minha penna n''este genero, n5o adverti tanto no que agora escrevo e penso.
Fique pois o meu mau exemplo, fique a minha quúda por farol de aviso aos que navegarem n este rumo, paraque saibam que as imitações dos extrangeiros s3o perigosas sempre, e quasi sempre infelizes quando se n,lo poem bem deante dos olhos os únicos typos verdadeiros, que s3o a natureza, a Índole da lingua, e os modos de dizer do povo em cujo idioma se escreve.
Também comprebende a segunda parted estes meus ''primeiros versos'' alguns sonetos, poucos. l)e centos que fiz, e que me fizeram fazer, apenas deixei estes. Não s3o bons, e eu não gosto do genero, que por indole própria é pretencioso e facticio. Mas confesso que hoje tenho remorso da reacção que promovi contra o soneto.
Tinha aomenos restricções e diíficuldades que n3o tem a sôlta liberdade das canções descabelladas e plusquam romanticas, pelas quaes foi substituído; na qual soltura cresceu descompassadamente a turma dos janisaros do Parnaso, que levaram a anarchia poética alíim de todas as raias do senso commum.
Se nós invocaremos ainda o soneto e a Arcadia e a Academia, como os povos, cançados e infastiados das orgias da liberdade desinfreada, invocam a tyrannia, último e fatal remedio dos males presentes, que lhes fazem esquecer os passados? Oclialá que não, porque a coisa era muito semsabor e muito pedante.
Mas ésta é tam piegas!
Da litteratura piegas nos livre Deus, sobre todas as coisas.
Emfim, a historia do mundo não é senão uma serie de reacções e contra-reacções. A da litteratura 6 o mesmo. O que unicamente fica immutavel são os eternos princípios da verdade, do gôsto, e da razão em tudo.
Lisboa, Janeiro 1853.