CONTO ACADÉMICO
Era uma vez: diz mestre Lafontaine,
Que lh''o dissera Phedro seu amigo,
Que lh''o dissera um grego corcovado...
Pois tudo n''este mundo vai por dittos,
Tudo se diz porque outros o disseram...
E talvez que não fôsse Lafontaine,
Mas foi outro que tal, que vale o mesmo:
Um dia... mas o fio á minha historia
Não o tórno a quebrar por coisa alguma;


Poema cjuc tem muitos episodios
Nunca pôde ser bom, nem bons ser elles:
Diz padre Iloracio ou outro tal como elle
l)''estes que intentam accanhar o génio
Com leis servis por elles arranjadas
Que, segundo a moderna guapa eschola,
As não pôde soffrer de taes birbantes.
Um dia pois o pae d''homens e numes,
Como eu ia contando aos meus leitores...
_Se é que a sorte, que os nega a bons poetas,
M os deparar a mira, chulo trovista- j'' •
rogos, mas de quem ja me não lembra,
Asno felpudo de orelhões cahidos
Quiz transformar em fervido ginete;
E ao bom Mercúrio, seu fiel ministro,
Manda que o longo pôllo lhe tosquie
E um bom naco cerceie das orelhas.
Era grande o burrico, nedeo e gordo,
E por milagre do supremo Jove,
Que sempre faz como este bons milagres,
Ei-lo desimpennado e mui lampeiro,
Qual andaluz corcel ou egua arabia,
A par d''outros corcéis se vai trotando.


O povo cavallar na fórma nova
Não reconhece a burrical maranha.
Como elles folgazão retouça e pulla,
Ladeia, faz corcovos, trava o passo,
Emfim parece_Tanto podem numes
E tal é o podêr de um bom milagre! —
Cavallo mestre e feito em picaria.
-Qual rústico peão de bronca aldea
De tamancos nos pés, no sacco a broa,
Que vem para imbarcar lá da província,
E para um tio, que é senhor d''ingenho,
Ilicasso cm pretos, em arroz, mellaço,
Ingoiado apprendiz vai ser caixeiro:
Morre-lhe o lio, eis o rapaz n um sino,
Vende pretos e pretas e mellaço,
E vem, Cresso de cocos e patacas,
Mctter toda Lisboa n''um chinello;
Ja por boas, luzentes amarellas
Serodeo compra fidalguesco foro...
D''antes_que hoje a visita da saúde,
Em cheirando a caturra, a bordo o prende,
E é ja barão quando põe pé em terra.
Ei-lo que alteia os hombros incolhidos,
Intuía em vento as bochechudas belfas,



Impina a pansa, ingrossa a voz pausada,
E 110 tropel dos nobres involvido,
Sc o não conheces, crèra-lo provindo
Dos que nos velhos pergaminhos vivem.
Tal ja desorclhado e uiTano o burro
Entre altivos ginetes campeava.
Mas, oh fado infeliz, mesquinha sorte!
Quando entre os novos ledos companheiros
Se vai trotando com pimpão meneio,
Ei-lo depara com villan jumenta
De hirsuta felpa e de costado esguio,
Que os fios corta d''alma a quem a via,
Como bem diz Latino-luso vate
De mui gaiata e festival memória.
Súbito esquece o recem-nobrc estado,
Lembram-lhe antigos, burricaes requebros
E o tom gallanteador de asnal namoro:
Estira amante o beijador focinho,
E em notas de invejar por um Lablachc,
1''salmeia airoso, compassado orneio,
Deixa os amigos e a azzurrar se fica!
Ora pois, como fez o senhor Jove,
Fez certo gran''senhor de lettras gordas


E protector das magras.-Foi milagre
Que pela intercessão foi operado
De uma a que chamam deusa da Sandice,
De outra Impostura é de outra Pedantice.
Começa o caso c''o outro parecido.
Havia em certa terra muito longe,
Lá nas pontas dos pés d''estc hemispherio,
Que dizem fora outr''ora povoada
Por certo beberrão feitor de Baccho,
Havia uma família de animalculos,
Zoophytos, e quasi mycroscopicos,
Aos quaes Lineu, que achou nomes a tudo.
Nunca deu nome, nem especie ou genero,
Nem eu lh''o sei também, só sei que arrotam
Textos, medalhas, chymicas rançosas,
Que trazem n''algibcira um compassinho.
Muito accanhado, curto e pequenino,
Talhado ao molde dos miollos d''elles,
Com que querem medir todo este mundo.
D''estes pois_e aqui vai o gran''milagre_
Burros na forma, na scicncia burros,
Mas burros mais que tudo na cacholla,.


Quiz o tal gran''senhor citado acima
Fazer-ó musa o què?_Dize, não temas,
Não fujas, dize e vai-te. Uma academia''
Disse a musa e safou-se ás gargalhadas.
Mas que academia!—Oh! venham as brilhantes
De Londres, de Paris, de Petersburgo
Beber aqui sciencia não sabida
De assopradas, pomposas ninharias.
Que producções, que producções! Oh quanto
Quanto seria mais se um deus maligno,
Inimigo dos guapos académicos,
Das tres que Deus nos deu potencias d''alma
Lhes não saccasse duas á surrelfa,
Deixando só memorias e memorias...
Quanto seria mais, quanto fulgira
Em gordos, grossos, grandes calhamaços
A portugueza, majestosa lingua,
Se os novos sábios, no comêço á empresa,
A antigas manhas não perdendo o aflinco,
Não incontrassem por desgraça nossa
C''um pérfido azzurrar-zurrar malditto!..
Ficaram no azzurrar sempre zurrando.
(''•>imbrn-IHI!<