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Trova Primeira – Capítulo I More

Vós os que não credes em bruxas, nem em almas penadas, nem em tropelias de Satanás, assentai-vos
aqui ao lar, bem juntos ao pé de mim, e contar-vos-ei a história de D. Diogo Lopes, senhor de Biscaia.
E não me digam no fim: — "não pode ser." — Pois eu sei cá inventar coisas destas? Se a conto, é
porque a li num livro muito velho. E o autor do livro velho leu-a algures ou ouviu-a contar, que é o
mesmo, a algum jogral em seus cantares.
Trova Primeira – Capítulo II More

D. Diogo Lopes era um infatigável monteiro: neves da serra no inverno, sóis dos estevais no verão,
noites e madrugadas, disso se ria ele.
Pela manhã cedo de um dia sereno, estava D. Diogo em sua armada, em monte selvoso e agreste,
esperando um porco montês, que, batido pelos caçadores, devia dar naquela assomada. Eis senão
quando começa a ouvir cantar ao longe: era um lindo, lindo cantar.
Trova Primeira – Capítulo III More

Dirá agora alguém: — Era, por certo, o demônio que entrou em casa de D. Diogo Lopes. O que lá não
iria! Pois sabei que não ia nada.
Por anos, a dama e o cavaleiro viveram em boa paz e união. Dois argumentos vivos havia disso: Inigo
Guerra e Dona Sol, enlevo ambos de seu pai.
Trova Primeira – Capítulo IV More

Ora deveis de saber que o senhor de Biscaia tinha um alão a quem muito queria, raivoso no travar das
feras, manso com seu dono e, até, com os servos de casa.
A nobre mulher de D. Diogo tinha uma podenga preta como azeviche, esperta e ligeira que mais não
havia dizer, e dela não menos prezada.
Trova Segunda – Capítulo I More

Era um dia ao anoitecer: D. Inigo estava à mesa, mas não podia cear, que grandes desmaios lhe
vinham ao coração. Um pagem muito mimoso e privado, que, em pé diante dele esperava seu mandar,
disse então para D. Inigo: "Senhor, por que não comeis?"
Trova Segunda – Capítulo II More

E o cavaleiro começou o seu narrar:
"Desde aquele dia maldito, meu pai pôs-se a cismar: e cismava e amesquinhava-se, perguntando a
todos os monteiros velhos se, porventura, tinham lembrança de haverem no seu tempo encontrado nas
brenhas alguns medos ou feiticeiras. Aqui foi um não acabar de histórias de bruxas e almas penadas.
Trova Segunda – Capítulo IX More

Quando pela manhã cedo o conde Argimiro, do seu balcão principal, ordenava que levassem o corpo
da condessa a um mosteiro de donas, que ele fundara para aí ter seu moimento, ele e os de sua casa, e
dizia aos homens de armas que arrastassem o cadáver de Astrigildo e o despenhassem de um grande
barrocal abaixo, viu um onagro silvestre deitado a um canto do pátio.
Trova Segunda – Capítulo III More

No tempo dos reis godos bom tempo era esse! havia em Biscaia um conde, senhor de um castelo
posto em montanha fragosa, cercado pelas encostas e quebradas de larguíssimo soveral. No soveral
havia todo o gênero de caça, e Argimiro o Negro (assim se chamava o rico-homem) gostava, como
Trova Segunda – Capítulo IV More

Dobrava a campa da torre de menagem no castelo do conde Argimiro: dobrava pela linda condessa,
que seu nobre marido havia matado.
Andas cobertas de dó a levam a enterrar ao mosteiro vizinho: os frades vão atrás das andas, cantando
Trova Segunda – Capítulo V More

Dois anos duraram guerras del-rei Wamba: foram guerras mui de contar.
E por lá andou o rico-homem com seus bucelários, que assim se diziam então acostados e homens
d''armas. Fez estrondosas façanhas e cavalarias; mas voltou coberto de cicatrizes, deixando por
campos de batalha gasta e consumida a sua valente mesnada.
Trova Segunda – Capítulo VI More

No solar do conde Argimiro, um ano depois da sua partida, ainda tudo dava mostras da mágoa e
saudade da condessa: as salas estavam forradas de negro; de negro eram os trajos dela; nos pátios
interiores dos paços crescera a erva, de modo que se podia ceifar: as reixas e as gelosias das janelas
não se haviam tornado a abrir: descantes dos servos e servas, sons de saltérios e harpas tinham
deixado de soar.
Trova Segunda – Capítulo VII More

Longe do condado do ilustre barão Argimiro o Negro, para as bandas de Galiza, vivia um nobre
gardingo — como quem dissesse infanção — gentil-homem e mancebo chamado Astrigildo Alvo.
Contava vinte e cinco anos; os sonhos das suas noites eram de formosas damas; eram de amores e
deleites: mas, ao romper da manhã, todos eles se desfaziam, que, ao sair ao campo, não havia senão
pastoras tostadas do sol e das neves e as servas grosseiras do seu solar.
Trova Segunda – Capítulo VIII More

A clepsidra aponta a hora de sexta nocturna, e ainda dura o sarau no solar do conde de Biscaia;
porque a nobre condessa e o gentil Astrigildo assistem às danças e aos jogos dos libertos e servos,
que, para eles espairecerem, trabalham lá na sala d''armas. Mas, num aposento baixo do solar, um
homem está em pé com um punhal na mão, olhar furibundo e o cabelo eriçado, parecendo escutar...
Trova Segunda – Capítulo IX More

Quando pela manhã cedo o conde Argimiro, do seu balcão principal, ordenava que levassem o corpo
da condessa a um mosteiro de donas, que ele fundara para aí ter seu moimento, ele e os de sua casa, e
dizia aos homens de armas que arrastassem o cadáver de Astrigildo e o despenhassem de um grande
barrocal abaixo, viu um onagro silvestre deitado a um canto do pátio.
Trova Terceira – Capítulo I More

Mensageiros após mensageiros, cartas sobre cartas são vindas de Toledo a Inigo Guerra. El-rei de
Leão resgatava todos os dias cavaleiros seus por cavaleiros mouros, mas não tinha wali ou kayid
cativo, que pudesse dar em troca por tão nobre senhor como o senhor de Biscaia.
Trova Terceira – Capítulo II More

Trinam os rouxinóis nos balseiros; murmuram ao longe as águas dos regatos; ramalha a folhagem
brandamente com a viração da manhã: vai uma linda madrugada.
E Inigo Guerra galga, manso e manso, os carris empinados, trepa de barrocal em barrocal e, apesar de
seu muito esforço, sente bater-lhe o coração com ânsia desacostumada.
Trova Terceira – Capítulo III More

Inigo acordou alta noite: tinha dormido algumas horas: ao menos, ele assim o cria. Olhou para o céu,
viu estrelas: apalpou ao redor, achou terra: escutou, ouviu ramalhar as árvores.
Pouco a pouco é que se foi recordando do que passara com sua mal-aventurada mãe; porque, a
princípio, não se lembrava de nada.
Trova Terceira – Capítulo IV More

Posto que em paz com os cristãos, os mouros de Toledo têm pelas torres, cubelos e adarves seus
atalaias e vigias, e nos montes que dizem para a fronteira de Leão seus fachos e almenaras.
Mas se o rei leonês soubesse como descuidosa jaz Toledo; como, ao anoitecer, se deixam dormir
vigias, se deixam de acender fachos, quebraria seus juramentos, e faria contra aquelas partes um
repentino fossado.
Trova Terceira – Capítulo V More

D. Inigo e seu pai, o velho senhor de Biscala, passam as portas de Toledo com a rapidez da frecha:
num abrir e fechar d''olhos ficam-lhes para trás muros, torres, barbacãs e atalaias. A bátega vai
diminuindo: rasgam-se as nuvens, e vêem-se já reluzir algumas estrelas, que parecem outros tantos
olhos com que o céu espreita através do negrume o que se passa cá em baixo.
Trova Terceira – Capítulo VI More

D. Diogo pouco tempo viveu: todos os dias ouvia missa; todas as semanas se confessava. D. Inigo,
porém, nunca mais entrou na igreja, nunca mais rezou, e não fazia senão ir à serra caçar.
Quando tinha de partir para as guerras de Leão, viam-no subir à montanha armado de todas as peças e
voltar de lá montado num agigantado onagro.